Como atuar nas dificuldades de acesso ao código escrito
Vicente Martins
O principal desafio dos governos, estabelecimentos de ensino e docentes, no meio escolar, é o de levar o aluno ao aprendizado de leitura, escrita e cálculo. O que deveria ser básico se tornou um desafio aparentemente complexo para os educadores do século XXI: assegurar a aprendizagem escolar.
Por que o domínio básico de lectoescrita se tornou tão desafiador para o sistema de ensino escolar? Por que ensinar a ler não é tão simples? Como desvelar o enigma do acesso ao código escrito?
Em geral, quando nos deparamos com as dificuldades de leitura ou de acesso ao código escrito, esperamos dos especialistas métodos compensatórios para sanar a dificuldade.
Nenhuma dificuldade se vence com método mirabolante. O melhor caminho, no caso da leitura, é o entendimento lingüístico, do fenômeno lingüístico que subjaz ao ato de ler.
Ler é ato de soletrar, de decodificar fonemas representados nas letras, reconhecer as palavras, atribuir-lhes significados ou sentidos, enfim, ler, realmente, não é tão simples como julgam alguns leigos.
O primeiro passo, nessa direção, o de ensinar o aluno a aprender a ler antes para praticar estratégias de leitura depois, em outras palavras, de atuar eficientemente com as dificuldades do acesso ao código escrito, as chamadas dificuldades leitoras ou dislexias pedagógicas, é ensinar o aluno a aprender mais sobre os sons da língua, ou melhor, como a língua se organiza no âmbito da fala ou da escrita.
Quando me refiro à fala, estou me referindo, sobretudo, aos sons da fala, aos fonemas da língua: consoantes, vogais e semivogais.
A leitura, em particular, tem sua problemática agravada por conta de dificuldades de sistematização dos sons da fala por parte da pedagogia ou metodologia de plantão: afinal, qual o melhor método de leitura? O fônico ou o global? Como transformar a leitura em uma habilidade estratégica para o desenvolvimento da capacidade de aprender e de aprendizagem do aluno?
Assim, um ponto inicial a considerar é a perspectiva que temos de leitura no âmbito escolar. Como lingüística, acredito que a perspectiva psicolingüística responde a série de questionamentos sobre o fracasso da leitura na educação básica.
A alma e o papel, o pensamento e a linguagem, a fala e a memória, todos esses componentes têm um papel extraordinário na formação para o leitor proficiente.
Em geral, os docentes não partem, desde o primeiro instante de processo de alfabetização escolar, da fala. A fala recebe um desprezo tremendo da escola e é fácil compreender o porquê: a escrita é marcador de ascensão social ou de emergência de classe social.
A escrita é ideologicamente apontada como sendo superior a fala. A tal ponto podemos considerar essa visão reducionista da linguagem, que quem sabe falar, mas não sabe escrever, na variação culta ou padrão de sua língua, não tem lugar ao sol, não tem reconhecimento de suas potencialidades lingüísticas. Claro, a escrita não é superior a fala nem a fala superior à escrita. Ambas, interdependentes.
As crianças, falantes, chegam à escola para ler, mas primeiro escrevem para ler, lêem para escrever. Outro caminho, se pensarmos em método, é garantir a fala para a leitura: deve-se dar liberdade de falar para garantir uma leitura fluente. Quem não adquire confiança no seu ato de falar, como pode ter fluência no seu ato de ler?
Os professores ditam e as crianças, como escribas, escrevem, escrevem e se tornam copistas. Se pensarmos em método, eis aqui um flagrante fracasso pedagógico com a imposição de tal procedimento: a escrita realmente é ponto de chegada e não de saída no ensino lectoescritor de leitura, escrita e cálculo.
A escola abafa a fala, manancial importantíssimo na formação para leitura e para a expressão oral. A escola paga um preço alto: as crianças deixam de aprender a ler, a escrever e a grafar corretamente as palavras na língua padrão culta.
No final de oito anos de ensino fundamental, encontrar crianças inibidas, acanhadas nos corredores, não tenhamos dúvida, vem muito da interdição da fala, e, conseqüentemente do corpo e da alma. A fala é expressão de nossa alma, do nosso sentimento ou pensamento.
Parte-se da escrita, a ortográfica, e despreza-se um componente importante na compreensão da linguagem, que é fala, ou mais precisamente os sons da fala, os fonemas da língua materna.
Aos três anos de idade, na educação infantil, as crianças já são nativas de sua língua e sabem muito da organização da língua materna, de sua regularidade, de sua estrutura e signos e significados que expressam no cotidiano, a partir da sua própria fala espontânea.
A escolha desconhece essa informação que qualquer manual de psicológica da criança ensina ou, senão, tira-se a conclusão de uma simples observação direta das crianças, sem maiores rigorosos abstratos.
A fala na educação infantil é rico laboratório para os docentes. Por ela, desenvolve-se na criança a percepção auditiva, fundamental para o ensino da leitura. Ensina a perceber é mais importante do que memorizar formas lingüísticas. A verdadeira teoria da linguagem vem do olhar, da observação.
É mais fácil uma criança guardar na memória aquilo que apreende com a percepção do que aquilo que aprende com imposições de deveres, regras ou tarefas escolares. A escola, infelizmente, não percebeu a validade dessa informação didática.
As relações entre linguagem oral e escrita são, na verdade, o primeiro passo para o trabalho eficaz, no ambiente escolar, para aquisição e desenvolvimento da leitura.
O que é a escrita senão o espaço material, objetivo, concreto, real, visível de expressão e representação da fala, da linguagem oral? Minha pergunta, na verdade tem uma resposta contumaz: a escrita busca no reino da fala a sua expressão material.
As crianças, desde cedo, devem perceber que há uma relação muito estreita entre fala e escrita.
A escrita é o esforço cultural e civilizatório do homem de representar, através de sua percepção visual, os sons da fala, da sua expressão oral. A alfabetização não vem apenas do olhar, mas da escuta ativa dos sons da fala.
A boa alfabetização não viria, pois, a rigor, nem se justificaria mesmo, com cartilhas de ABC, mas com a expressão oral: isto é, defendo aqui que a alfabetização escolar se dê inicialmente com os sons da fala, uma alfabetização fonológica, para, em seguida, transformar-se em alfabetização ortográfica. A fala precede a escrita na vida e na escola, quer queiramos ou não. É um fato lingüístico, mas nem por indução, é lógica para escola e para muitos educadores.
O segundo ponto que considero importante é a formação para consciência fonológica e o domínio das habilidades metafonológicas para o desenvolvimento da leitura fluente.
A consciência fonológica vem com o ensino formal e sistemático da correspondência entre letras e fonemas da língua. Existem mais sons da fala do que letras para representá-los, Daí, a correspondência entre letras e fonemas não ser unívoca, mas equívoca.
Por exemplo, o som /a/ é, em boa parte, na escrita, representado pela letra “a”. O som /b/ (leia-se bê) é representado na escrita pela letra b. Mas, a letra “c” pode representar o som /s/ (leia-se sê) ou o som /k/ (leia-se cá), dependendo do ambiente fonológica. Em casa, a letra “c” representa o som /k/, mas em cebola, a letra “c” representa o som /s/. Ora, isso, sim, que precisa ser bem ministrado pelos docentes e não pode ser ensinado, outrossim, por qualquer pessoa, por uma pessoa sem habilitação e, a rigor, é um rigor exclusivo para um pedagogo com formação lingüística ou para um lingüista com formação pedagógica. Quem pretende ser alfabetizador ou alfabetizadora devem conhecer a fonologia da língua materna, especialmente os fonemas consonantais:
Classificação das consoantes | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
As consoantes são classificadas de acordo com quatro critérios:
a- Nas oclusivas existe um bloqueio total do ar. b- Nas constritivas existe um bloqueio parcial do ar.
a - bilabiais - lábios + lábios. b - labiodentais - lábios + dentes superiores. c - linguodentais - língua + dentes superiores d - alveolares - língua + alvéolos dos dentes. e - palatais - dorso do língua + céu da boca f - velares - parte superior da língua + palato mole
QUADRO DAS CONSOANTES
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Fonte webliográfica: http://www.portugues.com.br/fonetica/fonema/fonema7.asp
Quando as crianças, na faixa de 3 a 6 anos de idade, aprendem os fonemas da língua são levadas, no ensino fundamental, já entre 7 a 14 anos de idade, à consciência fonológica e às habilidades fonológicas. Por exemplo, saber quantas letras e fonemas possui uma palavra ou fazer sua divisão silábica revela muito da capacidade fonológica da criança.
Quem adquire, na idade própria, a consciência dos sons da fala pode relacionar esta habilidade lingüística com a aprendizagem da leitura. O que é ler um texto senão decantar os sons da fala ali, em enigma, na escrita ortográfica?
O trabalho com a consciência fonológica favorece ao ensino da ortográfica. O que é a ortografia senão uma representação, na escrita, dos sons da fala? Portanto, ler ajuda na consciência ortográfica. Grafar bem as palavras ajuda no ato de ler com proficiência.
Por que a escola não alcança essa consciência da língua e de sua estreita relação com suas habilidades lingüísticas (leitura, escrita, escuta e fala)?
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