A DIVERSIDADE DO FEMININO
Aricelma Costa Ibiapina
A diversidade do feminino em "Rei Lear", está representada nas três filhas de Lear: Goneril, Regane e Cordélia que, cada uma por sua vez, a seu modo, revelam aspectos do caráter feminino.
Através de suas palavras sutis e precisas, Goneril e Regane em seus sonhos de poder levam o Rei Lear a acreditar num amor grandioso e inexistente por parte delas, o que na verdade não seria amor e sim ambição. O uso que elas fazem de tais palavras, revela o poder da expressão em designar aquilo que não é como se fosse aquilo que é , ou seja, num jogo de fabulação intrincada e diabólica, a força das palavras cria o que não tem existência própria, dissimulando com argumentos sagaz e sutil o que é real. Essa dialética entre o ser e o não ser faz com que o Rei Lear enlouqueça, pois o que parece ser não é, e, o que é, não parece ser.
O mundo de Goneril e Regane, constitui-se em um mundo no qual a ilusão do real o ultrapassa, de maneira que apenas à maior distância se tem percepção dele, ou seja, logo de início existe uma trama elaborada por ambas, percebe-se na cena I, nas p. 29 e 30, quando Goneril diz: “_ Mana, não é pouco o que tenho a dizer sobre um assunto que nos toca muito de perto. Creio que nosso pai vai partir esta noite.” Regane, continua: _ “Isto é certeza, e em vossa companhia. No próximo mês ficará conosco.” Porém Goneril insinua algum plano para Regane quando afirma: “ _ Vistes como sua velhice é caprichosa; não é das menos valiosas a observação que tivemos oportunidade de fazer: sempre revelou muito mais afeição pela nossa irmã, transparecendo agora claramente a falta de senso com que acaba de expulsá-la”. Regane argumenta: _” È a fraqueza da idade, sendo certo que ele sempre se conheceu mal.” Daí Goneril com um espírito de ambição, complementa: _ “Até mesmo na melhor idade e de mais vigor, costumava revelar precipitação. Por isso, preparemo-nos para receber de sua velhice não somente os defeitos enraizados de longa data, como também as rabugices inconvenientes que trazem consigo os anos achacosos e irritáveis”. E continua: ...”Unamo-nos, é o que vos peço; se nosso pai conservar o poder com semelhante disposição, essa última abdicação de sua vontade só nos poderá ser prejudicial.” Regane então decide: “ _ Havemos de refletir melhor sobre isso.” E Goneril, lembra a irmã dizendo: “_ Precisamos fazer qualquer coisa, enquanto o assunto está quente.”
Então, este está quente representa a explicitação de todas as ações tramadas pelas duas irmãs. Isto é muito óbvio quando Regane disse, que elas precisavam fazer qualquer coisa, enquanto o assunto comentado entre elas estava quente. Foram exatamente seus planos e ações que acabaram fazendo com que Rei Lear se tornasse louco.
O Rei Lear consegue descobrir a realidade tal qual ela é somente pelos meandros da loucura, que é a forma que o consciente encontra de se desvincular do mundo exterior. Se a realidade passa a ser a sua imagem, é somente através da separação extrema desta imagem que se pode reatingir o real. Por isso, percebe-se que se deve às fantasias de Goneril e Regane a loucura de Rei Lear.
Quanto a Cordélia, esta por sua vez, surge como elemento de preservação da ordem natural primitiva, a qual fora subvertida pelas irmãs, proporcionando um ponto de origem e fixação para aquele que não quer perder a noção da verdade exterior.
Nota-se, na cena VII, p. 124125, quando ela angustiada diz: _ “Ó meu querido pai! Em meus lábios suspende teus remédios, convalescença, e deixa que este beijo repare a imensa dor que minhas manas produziram em tua reverência.” Continua:_ “Mesmo que pai não fosse delas duas, estes cabelos brancos lhes teriam forçado a compaixão. Uma cabeça como esta poderia ser exposta à fúria das rajadas? Defrontar-se com o trovão pavoroso e o mais ziguezaguear de temerosos raios? Ficar de guarda _ pobre sentinela! _ com este elmo tão fino? O próprio cão do meu inimigo, embora me tivesse mordido, houvera, numa noite dessas, permanecido junto do meu fogo. E tu, meu pobre pai, foste forçado a abrigar-te com porcos e mendigos numa pouca de palha embolorada! Ai, que dor. Maravilha é não haveres a um só tempo perdido a vida e o espírito. Vai acordar; falai-lhe.” Então se percebe que ainda resta um contentamento em Cordélia em ver, que o pai mesmo na situação de quase destruído, ainda tem a vida.
Cordélia desesperada implora ao pai em seu leito: “ _Senhor, olhai para o meu lado, e as mãos estendei sobre mim, para abençoar-me. Não, meu senhor! Não vos ponhais de joelhos!” ( cena VII, p. 125).
Rei Lear ao se aperceber da traição das filhas Goneril e Regane, e da sinceridade de Cordélia, a quem ele julgou bem antes, ser ela traidora, e ao saber que Goneril, mandou prender Cordélia e depois determinou que a enforcassem, fica enlouquecido e gritando: _ “Foi enforcada minha bonequinha! Não, não! Vida nenhuma! Por que causa terá vida um cavalo, um cão, um rato, e tu, fôlego algum? Não voltarás, oh! Nunca, nunca, nunca, nunca, nunca! Por obséquio, soltai-me este botão. Obrigado, senhor. Oh! Vedes isto? Olhai para ela” Vede os lábios dela! Olhai aqui! Olhai aqui!” (p. 146-147). Diante disso tudo Rei Lear, num gesto de dor extrema, morre, pois nada haveria a reparar.
Goneril e Regane mesmo casadas, contendiam e disputavam o amor de Edmundo, filho bastardo de um conde do reino. Quando Regane estava à beira da morte seu marido descobriu o adultério. Sendo assim, Goneril apunhalou seu coração com uma faca, suicidando-se.
O que se pode ver em comum entre personalidades tão distintas como Goneril, Regane e Cordélia de "Rei Lear" é a determinação e a insubmissão. Parece que elas vêm a experimentar a libertação da mulher, agem segundo suas vontades, restritamente, sem dúvidas, mas conduzindo os acontecimentos. Parece que elas vêm a experimentar a libertação da mulher, agem segundo suas vontades, restritamente, sem dúvidas, mas conduzindo os acontecimentos.
Todas enfatizam que a influência feminina existe e é sensível em proporção, produzindo, cômica ou tragicamente, a vivência humana e transferindo a imagem mental do feminino do afetado para o prudente; do ingênuo ao esperto; do manhoso ao astuto, para enfim se chegar à conotação de forte sexo frágil.
SHAKESPEARE. Macbeth. Harcourt Brace Jovanovich: Adventures in English literature, 1963. Trad. livre
SHAKESPEARE. Rei Lear. Real Gabinete Português de Leitura: Edições Melhoramentos. São Paulo. Indústria de papel. Europa. Ed. s/d.
*Texto apresentado na disciplina de Literatura Inglesa I, sob a responsabilidade da professora Ilza Léia, para obtenção de parte da 2ª nota – UEMA - 2005
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