MACROANÁLISE DO SONETO DE
CRUZ E SOUSA, “DANÇA DO VENTRE” *
Aricelma Costa Ibiapina
Torva, febril, torcicolosamente, numa espiral de elétricos volteios, na cabeça, nos olhos e nos seios fluíam-lhe os venenos da serpente. Ah! que agonia tenebrosa e ardente! que convulsões, que lúbricos anseios, quanta volúpia e quantos bamboleios, que brusco e horrível sensualismo quente. O ventre, em pinchos, empinava todo como réptil abjecto sobre o lodo, espolinhando e retorcido em fúria. Era a dança macabra e multiforme de um verme estranho, colossal, enorme, do demônio sangrento da luxúria! |
Neste soneto, o escritor, ao elaborar sua obra, busca o máximo de objetividade, provocando desta forma a ausência do sujeito lírico perante o que descreve. Na “Dança do Ventre”, percebe-se uma forte tendência descritivista. Lendo o poema é possível formular na mente um quadro, uma pintura feminina repleta de erotismo e de sensualidade.
“Dança do Ventre”, a arma do ser feminino, capaz de inebriar, de envolver, instrumento que ela utiliza a fim de conquistar, de conseguir o que deseja. Assim fez Salomé, a mulher subversiva, envolvente, que faz uso desse tipo de dança para ter em mãos, em uma bandeja de prata, a cabeça de João Batista. O próprio título do soneto induz a essa idéia de sensualismo, pois “dança” sugere movimentos sinuosos, astuciosos, indica sedução, um jogo de conquista, o êxtase dos sentidos e ainda tem, como complemento, “do ventre”, vocábulo que remete à fecundação, à reprodução, algo peculiar, particular da mulher.
Essa mulher mostra-se bastante racional “cabeça”, um ser que sabe como agir tem tudo esquematizado em sua mente; revela-se com uma visão além “olhos”, examina tudo com muito cuidado e cheia de sensualidade “seios”. O veneno vem configurar o poder de sedução exercido pela mulher. Ela é tão atraente como a “Medusa”, mulher da mitologia com serpentes ao invés de cabelos, uma vez em que detém o poder de seduzir, de imobilizar as pessoas que estão a sua volta. Esse ser exibe-se, no poema como a serpente do Paraíso de Adão e Eva, que destila seu veneno e muda todo o destino dos seres humanos na terra. Com a técnica da descrição ao longo do poema, vai se delineando, construindo a figura feminina a qual é retratada pelo poeta. Um ser tão nocivo quanto a serpente, pois possui um “veneno” que age em todo seu corpo. Porém, é importante lembrar que é através da “cabeça”, “olhos” e “seios” que se nota essa substância de maneira aflorada. Isso ocorre porque essas partes do corpo são as que esse ser mais utiliza para seduzir e atrair alguém.
Nota-se em todo soneto que esse ser feminino é constantemente comparado com seres maléficos: “serpente”, “verme” e “demônio”. Representando essa mulher como um ser que provoca medo, tormento, um ser asqueroso, nojento, ruim, endemoninhado. A mulher desse poema se apresenta extremamente sensual, com um grande prazer dos sentidos, possui um gingado, um balanço no corpo, traz em seu cerne um “sensualismo quente”. É através da “Dança do Ventre” que essa mulher se projeta, se revela, que deixa transparecer seus desejos e seus anseios.
Observa-se que o poeta ao mesmo tempo em que procura reproduzir a imagem da mulher, demonstra também uma grande preocupação com a estética e com a forma. Pois o poema é apresentado em forma de um soneto, com esquemas métricos, rítmicos sofisticados e tradicionalistas. Quanto à linguagem, há o predomínio de termos eruditos, refinados: “pinchos” e “espolinhando” dentre outros, todos sendo usados com muita precisão.
Sendo assim, Cruz e Sousa enfoca em seu poema a mulher serpente-verme-demônio, que seduz, encanta, envolve, que provoca delírios, tudo a partir de seus sinuosos movimentos “Dança do Ventre”, levando qualquer um a loucura. A tônica do soneto é toda essa luxúria, esse erotismo que esse ser feminino carrega consigo, o qual o sujeito lírico, apesar de ausente, expressa com palavras bastante fortes, completa aversão a esse ser.
*Trabalho apresentado na disciplina de Literatura Brasileira II, sob a responsabilidade da professora Kátia, para obtenção da 3ª nota – UEMA -2006
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