O CASAMENTO BURGUÊS: da euforia à morte*
Aricelma Costa Ibiapina
O livro “O Primo Basílio”, de Eça de Queirós, é narrado em terceira pessoa, cujo narrador é onisciente, o que faz com que ocorra certo distanciamento entre o leitor e as personagens.
Porém, este recurso não desfavorece a diegese, pelo contrário, confere ao leitor um vislumbre com relação ao caráter destas, visto que enquanto elas entremostram-se tal como são, o escritor retrata os conflitos e as contradições sociais, analisa a burguesia, a Igreja e a própria monarquia e decide criticar a declínio dos valores éticos e humanitários dessa sociedade decadente, fase em que tornara-se adepto do Realismo.
Eça de Queirós encara os problemas humanos de forma científica, introduzindo uma nova ficção em Portugal. O livro tem como tema o adultério, focalizando a decadência da família burguesa construída em falsos alicerces. O casamento é retratado através do jogo de interesses, patenteado pelo “donjuanismo” e pela má formação sócio-psicológica da mulher. Assim, o autor deixa transparecer o contraste entre os padrões da educação e o comportamento moral intrincamente influenciado pelo meio ambiente.
Ao pensar que o comportamento humano é influenciado pelo contexto sócio-histórico; que a natureza humana é mutável; que a realidade é composta de substâncias independentes e incompatíveis, defenderei Luísa, para isso farei um breve estudo sobre sua personalidade, assim como de Basílio, de Jorge e de Juliana.
Luísa é procedente de uma burguesia decadente, sabe ler, mas é inculta e é freqüentadora da igreja, talvez por imposição paternalista. Entretanto, é moça bonita e cheia de idéias românticas na cabeça. Seu comportamento, assim como de qualquer outra pessoa, oscila. Suas opiniões e gostos mudam, bem como o humor. Afinal são as oscilações que dão sentido à vida.
Lê-se no romance: “Luísa espreguiçou-se. Que seca ter de se ir vestir! Desejaria estar numa banheira de mármore cor-de-rosa, em água tépida, perfumada e adormecer! Ou numa rede de seda, com as janelinhas cerradas, embalar-se, ouvindo música! (...) Tornou a espreguiçar-se. E saltando na ponta do pé descalço, foi buscar ao aparador por detrás de uma compota um livro um pouco enxovalhado, veio estender-se na “voltaire”, quase deitada, e com o gesto acariciador e amoroso dos dedos sobre a orelha, começou a ler, toda interessada Era a Dama das Camélias. Lia muitos romances; tinha uma assinatura, na Baixa, ao mês.”
Eça de Queirós escreveu esse livro no auge das mudanças dos paradigmas científico-filosóficos, acredita-se que usou a literatura para estudar as leis que conduzem o comportamento humano e não para tirar ou que tirassem conclusões morais. Daí não aceitar afirmações do tipo: “Luísa é fraca de caráter” ou “O casamento é retratado através do jogo de interesses (...) e pela má formação moral da mulher”.
O trecho citado critica a vida ociosa de Luísa, mas deixa claro que ela adorava esse estilo de vida; recrimina sua educação sonhadora, aliás, educação a que as mulheres do século XIX eram submetidas.
O marido dela, Jorge, engenheiro impregnado de concepções de superioridade hierárquica no casamento, tem diversas relações amorosas levianas, escondidas por traz das freqüentes viagens que faz, por força da profissão. Diante disso a jovem Luísa vê-se relegada à solidão e ao abandono. Sua vida de desocupação associada a um estilo romântico de ver a vida a conduz ao envolvimento afetivo com Basílio, seu primo e antigo namorado, sujeito de inclinações “don-juanescas”.
A traição de Luísa pode ser justificada pelo abandono decorrente as freqüentes viagens de trabalho e aventuras de Jorge e o envolvimento dele com amantes, portanto, deixou-se levar muito mais por necessidade de preencher o vazio de sua existência do que por amor a Basílio.
Ao se fazer a análise da personalidade de Basílio o descreverei como um mau-caráter, aproveitador, dissimulador, revestido de uma maldade inescrupulosa e irônica. Ele é o dândi, conquistador, irresponsável, "bom vivant" pedante e cínico. Representa bem os burgueses e suas riquezas duvidosos, prontos a aproveitarem de todas e quaisquer situações.
O autor é hostil à mediocridade que aflige a época no aspecto social burguês: a avareza, a infidelidade (tanto da mulher quanto do homem), a falsidade, a falta de caráter, também ao catolicismo, constituído por um clero estúpido e formador de espíritos carolas e supersticiosos.
Jorge pensa o casamento numa visão simplista da época: o homem é superior e poderia ter uma vida ambígua. Ele representa o que há de falso moralismo e arrogância na sociedade. Suas características consistem em apresentar as principais características do Realismo: o conflito existencial do ser humano e destrinchar seu estado de ânimo. Ele vê-se aprisionado a sentimentos antagônicos: amor e ódio; a falta de condições psicológicas de conduzir seus próprios sentimentos e a ruptura dos pseudoprincípios que regiam a família burguesa de classe média da sociedade lisboeta do século XIX. Ao ver-se diante da certeza da traição da esposa, seu mundo desmorona diante da realidade. Estas características podem ser vistas neste parágrafo: “Jorge foi heróico durante toda essa tarde. Não podia estar muito tempo na alcova de Luísa, a desesperação trazia-o num movimento contraditório; mas ia lá a cada momento, sorria-lhe, conchegava-lhe a roupa com as mãos trêmulas; e como ela dormitava, ficava imóvel a olhá-la por feição, com uma curiosidade dolorosa e imoral, como para lhe surpreender no rosto vestígios de beijos alheios, esperando ouvir-lhe nalgum sonho da febre murmurar um nome ou uma data; e amava-a mais desde que a supunha infiel, mas dum outro amor, carnal e perverso. Depois ia-se fechar no escritório, e movia-se ali entre as paredes estreitas, como um animal numa jaula. Releu a carta infinitas vezes, e a mesma curiosidade roedora, baixa, vil, torturava-o sem cessar: Como tinha sido? Onde era o Paraíso? Havia uma cama? Que vestido levava ela? O que lhe dizia? Que beijos lhe dava...”
Neste fragmento, o narrador descreve as reações de Jorge, que vive conflito íntimo entre a piedade e o ódio: tem de cuidar da esposa Luísa, muito doente, embora esteja sabendo que ela o traíra com Basílio.
Juliana, a criada, vive Subjugada pela condição social e por um terrível vazio interior. É má, desonesta e não perde oportunidade para explorar, roubar e chantagear, por isso, guarda como relíquia tudo que possa ser usado contra a família para quem trabalha. Ela pode ser vista como a representação da amargura e do tédio em relação à profissão e sua condição social.
No contexto, Juliana, consegue tirar proveito da situação de adultério, ao ponto de escravizar Luísa. Vê-se isso no seguinte parágrafo: “Luísa ficou imóvel. Uma lagrimazinha redonda, clara, rolava-lhe pela asa do nariz. Assou-se muito doloridamente. Aquela Juliana! Aquela bisbilhoteira! De má! Para fazer cizânia!.”
O episódio chega ao conhecimento do marido. Luísa fica gravemente enferma e Jorge parece perdoar-lhe o erro. Tarde demais. Ela morre. Basílio continua descaradamente sua ínfima existência. E Jorge tem uma grande lição, uma vez que (...) Os homens começam cheios de certeza e onipotência, as mulheres vêm e dosam, fazem com que eles caiam na real”.(Jabor) E o homem “que quer se descobrir, aprende muito com as mulheres, porque por meio do amor ou da rejeição delas ele obtém um mapeamento da própria vida. As mulheres fazem a cartografia do desejo masculino. (Idem).
Enfim, Eça de Queirós, em “O Primo Basílio” retrata uma sociedade decadente no plano moral e intelectual que se mantêm à custa da aleivosia, do engano e da fantasia e não apenas enfoca o adultério feminino.
*Texto apresentado à disciplina Literatura Portuguesa II, sob responsabilidade da professora Mônica Assunção Mourão, para obtenção da 3ª nota. UEMA-2007
REFERÊNCIAS
JABOR, Arnaldo. http://claudia.abril.ig.com.br/atualidades_gente
QUEIRÓS, Eça de. O primo Basílio. Ática, 1998.
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