sexta-feira, 2 de maio de 2008

“COMO ERA GOSTOSO O MEU FRANCÊS”

TEXTO DISSERTATIVO ARGUMENTANDO A RELAÇÃO

COLONIZADOR VERSUS COLONIZADO CONFORME O FILME:

“COMO ERA GOSTOSO O MEU FRANCÊS”, DE NELSON PEREIRA DOS SANTOS E O ROMANCE: “IRACEMA”, DE JOSÉ DE ALENCAR”*

Aricelma Costa Ibiapina

O filme Como era gostoso o meu francês, é um longa-metragem que toma o índio como tema, e remete-nos a fazer um paralelo à obra de José de Alencar, sobretudo Iracema o que significa mais da metade da produção em questão. A profusão do filme baseado nesse romance é um indicativo de seu papel de destaque no imaginário nacional. José de Alencar, na verdade, significa muito mais do que um grande escritor, constituindo-se num dos ideólogos da nacionalidade brasileira.

Em “Iracema”, o que está em questão em torno dos pares romântico da índia Tabajara Iracema e o fidalgo português Martim Soares Moreno, é a constituição da nação. O indianismo de José de Alencar vai desempenhar um papel fundamental na construção da identidade brasileira, exigência gerada pela ruptura da colônia com a metrópole.

Os índios têm um papel fundamental na moldagem da brasilidade no imaginário pós-colonial, ou seja, o papel de rebelde, já que era o habitante originário do território invadido pelo colonizador; o índio de José de Alencar entra em íntima comunhão com o colonizador. Iracema faz parte do grupo de índios, colocada na categoria de índios bons; eles sucumbem de paixão por brancos, sentimento estranho ao seu universo, colocando-se à mercê dos mesmos, numa condição de espécie de servidão voluntária.

Iracema chega mesmo a se voltar contra seu povo para proteger e se unir a Martim, inimigo dos Tabajaras. Esta é a índia que entra em comunhão com o colonizador e que vai constituir a nação brasileira; a união de Iracema e Martim na floresta, que gera a brasilidade, simboliza o cruzamento de uma determinada cultura com uma natureza domesticada.

Não se fala em violência do colonizador face às populações indígenas que habitavam o Novo Mundo. A prosa de Alencar não é uma crônica realista, não tendo, por conseguinte, nenhuma preocupação com a verossimilhança: ela tece o mito. Os conflitos entre o colonizador e os índios são atribuídos à ferocidade de alguns povos indígenas, ferocidade essa reconhecida por Iracema.

Iracema é a representação do índio de alma branca: seu encontro com o colonizador só é possível porque ela tem consciência de sua inferioridade e respeita a hierarquia quando se une ao branco.

Iracema não podendo branquear o corpo, se dispõe a uma espécie de branqueamento cultural e com isso se habilita à união com o colonizador, contribuindo para a formação de uma nação mestiça, que se quer cada dia mais branca.

O paradigma romântico mantém sua hegemonia durante grande parte do século XX, permanecendo como substrato até mesmo das visões contida no filme “Como era gostoso o meu francês” que não se constituem em versões de José de Alencar, o qual, entretanto, não apresenta modificações substanciais.

Sintetizando o perfil do índio da ficção cinematográfica, antes de qualquer coisa é um solo comum a idéia de que os índios são seres selvagens, primitivos, ainda na infância da humanidade; faz-se distinção entre o mau e o bom selvagem, sendo que este último é aquele que assume uma condição de inferioridade face ao branco, que se dispõe a abrir mão de sua cultura e absorver a cultura do colonizador, mantendo-se apenas como uma raça distinta que contribui para a formação da nação.

No filme não há a preocupação em retratar grupos indígenas específicos, em mostrar a diversidade das culturas indígenas, mas sim falar do índio genérico. Mesmo quando são mencionados determinados grupos indígenas, esse fato não passa de um efeito de superfície, uma vez que o nome do grupo acaba reduzido a um rótulo sem qualquer conteúdo. Não se recorre ao conhecimento sobre o universo dos diversos povos indígenas brasileiros, acumulado pela antropologia, e a caracterização dos índios, é completamente distanciada da realidade.

A idéia de que os índios são seres primitivos vai se cristalizando na sociedade brasileira como um todo, e no ambiente cinematográfico: a noção de primitivo, que se contrapõe à sua questão central: a modernidade. Ser primitivo, qualidade atribuída aos índios significa falta de avanço em termos da tecnologia, critério usado pela visão para distinguir as sociedades civilizadas das primitivas, sendo que estas últimas em algum momento de sua trajetória alcançariam o estágio da civilização. Já a teoria elaborada pelo filme se mostra mais perversa, pois considera o primitivismo algo que está no nível da essência, impossível, pois de ser superado.

“Como era gostoso o meu francês”, se constitui indiscutivelmente num marco no que diz respeito à representação dos índios pelo cinema brasileiro. O filme polemiza a visão dos povos indígenas disseminada na sociedade, e incorporada por nossa cinematografia, sugerindo uma nova forma de pensar a relação entre índios e europeus no início do processo de colonização e, por extensão, ao longo de nossa história.

O filme fornece ao espectador informações capazes de pelo menos embaralhar a visão corrente quanto à barbaridade e falta de lógica da ação dos índios, mostrando sua vida social, sua música, seus costumes, buscando envolvê-lo com a lógica tribal, convidando-o a partilhar suas convicções guerreiras e sua forma harmoniosa e lúdica de inserção no meio ambiente exuberante. É o primeiro longa-metragem brasileiro de ficção que tem a preocupação de entrar no universo indígena, mais especificamente Tupinambá dando ao espectador elementos que lhe permitem entender a lógica e razões do outro. A força do filme no sentido de possibilitar essa adesão a ponto de vista dos Tupinambás, reside, em grande medida, no trabalho do narrador, no modo como busca o envolvimento do espectador através da retórica narrativa, onde se inscreve a lógica tribal.

Quanto à imagem do índio no longa-metragem brasileiro de ficção, se pode falar em antes e depois de “Como era gostoso o meu francês”. Enquanto Brasil ano 2005, ao se valer do significante “índio” para conotar primitivismo, acaba reiterando a visão negativa de nossa origem indígena, O filme festeja nossa ascendência Tupinambá e recorre para tratar da colonização, a esse grupo indígena aguerrido, que, na verdade, não se deixou colonizar. Em sua leitura da questão da identidade, O Meu Francês, afinado com o Modernismo, se filia à linhagem Tupinambá e se apazigua com nossa origem primitiva.

A relação de afeto entre o colonizador e o colonizado trata-se da impossibilidade de existência do próprio sentimento em si, em função das normas e hábitos rígidos que regem a sociedade dos tupinambás: uma índia não se apaixonaria pelo inimigo que irá devorar.

Na cena onde o negociante francês tenta entregar um baú com presentes para os índios, e este é veemente recusado por seu chefe, Cunhambebe que, nomeando os objetos de quinquilharias, afirma, a seguir, seu interesse pela pólvora, há um choque no primeiro encontro quando alguns prisioneiros são abatidos, no ato, com um único golpe do tacape.

O filme substitui a primeira imagem do índio-hostil-antropófago por uma figura de ser humano mais ameno: aquele que organiza seu cotidiano construtivamente, plantando, pescando, fazendo adereços. Jean se adapta ao cotidiano indígena, pois, afinal, ele não vai ser devorado no dia seguinte. A vivência de Jean junto à comunidade indígena, onde lhe é oferecido à possibilidade de caçar, plantar, e até ter uma mulher só para ele, durante os oito meses que antecedem seu sacrifício, não é casual, nem fruto da habilidade de Jean para adiar seu sacrifício.

De acordo com a função social da guerra na sociedade tupinambá, os inimigos capturados passam por um processo de integração à sociedade dos captores para depois serem destruídos. A conversão do cativo em vítima promovia sua integração à comunidade. É previsto pelas regras indígenas um período de convivência harmônica entre o prisioneiro e a comunidade. É quando no filme, o protagonista tenta se fazer de poderoso para o índio, mostrando seus poderes de comunicação com os deuses, consegue prever a chuva ou a morte de um de seus membros. Só que todas as tentativas do Jean, de interação com a tribo, vão servir para mostrar como a crença indígena é forte, se ela não pode ser abalada, ele vai ser devorado.

Ao fazer cumprir o ritual indígena optando pela morte de Jean, o filme de Nelson alinha-se a uma tradição, de compreensão da cultura indígena e crítica ao europeu.

A cena de guerra entre os tupinambás e os tupiniquins que antecede a canibalização do francês destaca, no filme que o conflito entre as tribos é anterior a chegada dos europeus e nos explica a tradição do ritual antropofágico como diretamente ligada à guerra.

No filme também se constrói uma empatia entre o protagonista, o Jean e o espectador. Nos primeiros minutos do filme Jean aparece em uma situação de tal abandono, expulso por seus próprios compatriotas, aprisionado pelos índios tupiniquins e os portugueses, novamente preso pelos índios tupinambás, que ficamos necessariamente solidários a ele. Também temos a voz de Jean em off quando este descreve o cotidiano dos índios com os quais está convivendo. Sua voz causa a sensação de intimidade e domínio sobre aquela gente.

Nelson insere seu personagem nesse conflito, do qual ao fugir, é pego por índios tupiniquins, aliados dos portugueses, inimigos dos franceses, e depois pelos tupinambás. Estes, apesar de serem amigos de seu país, o confundem com um português e por isso o aprisionam. Nelson nos lança dentro de um emaranhado de conflitos e é dentro dele, dessa confusão de nacionalidades em guerra, que vai estar inserido o tema da antropofagia.

A inserção da história em Como era gostoso o meu francês demonstra a preocupação do diretor com o relato histórico, ele poderia ter inventado aqueles fatos iniciais, mas, além disso, ao contextualizar o aprisionamento de Jean pelos tupinambás em meio a uma série de conflitos entre nações, o filme valoriza a unidade dos tupinambás.

A morte de Jean, no filme, inverte as relações vencedor-vencido, colonizador-colonizado, civilizado-selvagem, presentes dentro da narrativa original Passa por um tratamento de choque: aquele com o qual nos identificamos é devorado e suas últimas palavras são as mesmas de um guerreiro tupinambá para seus inimigos: "Quando eu estiver morto meus amigos virão vingar-me e não restará um de vós nesta terra" Nesse caso, a sensação não é de conforto, já que o filme nos causa uma certa confusão de identidade: não dá para saber quem eram nossos amigos, se os franceses, os portugueses, ou os índios.

*Texto apresentado na disciplina Literatura Brasileira I, sob responsabilidade da professora Kátia UEMA-2005

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